Magic: the Gathering

Opinião

O Hype de Magic x Final Fantasy é Assustador

, Comment regular icon0 comments

Como fã de Final Fantasy, não poderia estar mais feliz de ver o sucesso desta parceria. Como jogador de Magic, não poderia estar mais assustado com a rapidez das vendas da nova expansão e temer pelos precedentes que ele abre e as novas metas que podem ser estabelecidas a partir dela.

Writer image

revisado por Tabata Marques

Edit Article

Antes de termos essa conversa, permita-me fazer um disclaimer de onde minha premissa está vindo: eu sou fã de Final Fantasy desde os sete anos, oito anos a mais do que o tempo que eu jogo Magic. Ver esses dois universos colidindo é como um sonho se tornando realidade.

Já efetuei a compra da pré-venda dos decks de Commander e estou negociando com lojas locais para conseguir um set de cada card da coleção principal. Meu foco em colecionar Magic agora será exclusivo para Final Fantasy e o desafio de conseguir todos os cards, inclusive os de Secret Lair e as promos exclusivas do Japão. Se tem algo que entendo e possuo absoluta empatia é o quanto os fãs de Final Fantasy estão animados com essa expansão, e não existe qualquer problema em estar no hype com o set.

No Magic, meu maior foco é em formatos construídos competitivos. Hoje, dada as circunstâncias do baixo suporte do card game no Brasil, invisto muito do meu tempo jogando online para criação de conteúdo ao invés de tentar a corrida dos RCQs — não é economicamente viável sonhar com um Pro Tour hoje para a grande maioria dos brasileiros, e não recomendo seguir o hábito de fazer diversas concessões financeiras para “seguir o sonho”.

Acompanho o Magic competitivo diariamente de diversas maneiras e meu foco, na maioria dos artigos, é com opiniões e análises em torno dos jogadores competitivos e do público casual que gosta de jogar partidas ranqueadas e torneios casuais — e também com o mantra de que Magic é um produto.

Dentro da perspectiva apresentada acima, como jogador de Magic, o sucesso de Final Fantasy é assustador. A expansão já é a coleção mais vendida da história do card game, e existem diversos marketplaces ao redor do mundo onde seus produtos estão esgotados, além da prática comum de scalping que já era esperada para uma edição com tamanho potencial colecionável e com o escopo ampliado deles.

A lógica comum era de que Marvel seria a coleção mais aguardada e mais vendida do ano. Enquanto ainda há tempo até Spider-Man sair, ficou evidente com as primeiras pré-vendas que Final Fantasy superou seus números, seja por temporalidade, ou porque a base de fãs da Marvel é bem dividida e, enquanto muito mais pessoas gostam de Marvel do que de Final Fantasy, há muitos que amam FF.

Image content of the Website

Final Fantasy vai vender bem. Já vendeu. Vai superar as expectativas e, talvez, supere até a oferta que a Wizards/Hasbro planejou para o produto durante o seu lançamento. O set, afinal, só sai oficialmente em 13 de junho e é o primeiro lançamento da série Universes Beyond válido em todos os formatos.

Ad

O Magic competitivo é onde esse aumento de demanda gera preocupações. Este ano possui três sets de Universes Beyond, todos com preços de produto premium, ou seja, um pouco mais caros do que o habitual — o aumento já faz diferença o suficiente para o público de países com moedas valorizadas como o dólar e o euro estarem descontentes e se manifestarem nas mídias sociais, mas para países como o Brasil, os preços de Universes Beyond afastam a possibilidade de muitas pessoas entrarem no Magic.

A expectativa de um card game mais caro já permeia a comunidade desde que anunciaram seis sets no ano, todos válidos no Standard. O aumento de preços de Universes Beyond e a redução do número de pacotes por box foram apenas a cereja no bolo, e ainda não avaliamos quais eventuais problemas logísticos que as tarifas estadunidenses podem causar na produção do card game: os dados de prerelease, por exemplo, são fabricados na China e não podemos negligenciar a possibilidade do custo de impressão dos cards, mesmo que feito nos Estados Unidos, aumente por conta do preço da matéria-prima de fabricação — tudo, eventualmente, pode levar a um Magic ainda mais caro a partir de 2026.

Perante essas circunstâncias, Magic x Final Fantasy se torna assustador porque cria uma nova meta para a Wizards of the Coast. Não importa o quanto a expansão venda, o próximo set principal de Universes Beyond precisa vender mais.

Nos últimos anos, vimos Magic crescer consideravelmente em comparação ao que ele já foi: a Wizards hoje vale possui valor de mercado maior que um bilhão e é a maior fonte de receita da Hasbro — Magic cresceu 45% no primeiro trimestre de 2025, e deve crescer mais no segundo e terceiro semestre motivado ainda pelas vendas de Final Fantasy, mantendo o crescimento no fim do ano impulsionado por Spider-Man e Avatar: The Last Airbender, ambos previstos para o último trimestre.

Para onde vamos a partir deste ponto? Uma das práticas comuns da Hasbro nos últimos anos tem sido impulsionar o volume de vendas de Magic de qualquer maneira, mesmo que machuque a saúde de longo prazo do jogo.

Exemplos recentes inclui a série Through the Omenpaths, feita para cobrir a lacuna que a falta de licenciamento para plataformas digitais em Universes Beyond pode causar — para fins práticos, Spider-Man não será lançado no Magic Arena e no Magic Online, e ao invés, os jogadores desses meios terão um set com cards que tenham a mesma habilidade e custos, mas nomes e ilustrações distintas do set de papel.

Loading icon

Pela primeira vez, Magic terá uma dissonância de comunicação entre os dois meios após anos tentando fazer as plataformas se assemelharem ao papel. Este evento abre um precedente e outro sinal de alerta sobre a saúde de longo prazo: a dissonância de informação e as diferenças entre uma plataforma e outra de maneira irreversível serão problemas que podem se manifestar em outras expansões — já foi confirmado que os demais sets de Marvel terão o mesmo tratamento — e em parcerias futuras.

Ad

Final Fantasy, felizmente, não tem esse problema: os cards serão os mesmos no Magic Arena e no MTGO, sem qualquer alteração no momento. O mesmo não pode ser afirmado de outra futura parceria entre a Wizards of the Coast e a Square Enix, apesar de as chances de um segundo set de FF ocorrer no futuro existirem, dado o volume de vendas.

A Wizards e Magic crescerão em 2025, apesar da incógnita se isso se converterá em mais jogadores ativos do TCG. No fim, não importa: os números vão subir, e números subindo são o que motivou a maioria das decisões da Hasbro sobre o jogo nos últimos anos.

Com um novo precedente de “expansão mais vendida da história”, talvez com números consideravelmente maiores que o seu antecessor, Lord of the Rings, a Hasbro vai capitalizar em cima desse sucesso para dobrar sua aposta.

Tem sido o modo operante da empresa em tudo o que funciona em Magic — terrenos full-art, tratamentos diferenciados de foil, bordas e frames especiais, slots extras, ilustrações em anime, entre outros são alguns exemplos de coisas que funcionaram bem no passado e são ostensivamente utilizados agora em comparação com outros momentos no que é denominado como booster fun — e “dobrar a aposta” neste caso pode significar três fatores:

  • Aumentar a quantidade de Universes Beyond por ano para ampliar o volume de vendas total, afinal nem todo set será um Final Fantasy ou Senhor dos Anéis. Isso viria, naturalmente, com a redução de sets in-universe, ou ampliação do total de expansões lançadas por ano.
  • Outro aumento de preços para Universes Beyond. Seja por custos de licenciamento — por exemplo, talvez seja mais caro colocar essas marcas nas plataformas digitais — ou pelo aumento de demanda deste tipo de produto como exemplificado por FF, que somado com o momento de potencial recessão econômica global, pode alavancar o custo do produto selado.
  • Investir pesadamente no marketing de Universes Beyond ao ponto de prejudicar ainda mais o senso de identidade de Magic. Trabalhar com mais recursos para a categoria de colecionáveis e/ou cards exclusivos com política de escassez, por exemplo, faria os preços atingirem novos patamares, inclusive se esses começarem a motivar mais movimentos de scalpers e semelhantes.

    Nenhuma dessas opções é boa para o Magic como jogo, marca e identidade. Nenhuma opção que envolve aumentar preços para manter os números subindo é benéfica para qualquer marca visando o entretenimento em tempos de crise e incertezas com recessão.

    Ad

    Loading icon

    Recentemente, discussões tomaram a comunidade de games eletrônicos pelo aumento de preço dos games para US$ 80, ao mesmo tempo, em que todos os títulos mais bem-avaliados do ano até agora foram games com budget mais limitado e preços mais acessíveis. Apesar de anedótico, a lição neste caso é que existem situações onde menos é mais: seu jogo custar 50 dólares ao invés de 80 pode trazer mais compradores, mesmo que ele não ofereça a experiência gráfica mais impressionante, ou os efeitos visuais mais cinematográficos — nem todo game é ou precisa ser um GTA VI.

    No mundo dos TCGs, um mercado crescente e com cada vez mais potenciais competidores contra o “Big Three” (Magic, Pokémon, Yu-Gi-Oh!), entender este conceito de menos é mais pode ser a diferença entre os que sucedem ou fracassam.

    No caso de Magic, é difícil olhar com otimismo para um jogo que tem constantemente apostado no mais e abrindo concessões constantes para obter lucros-recorde ano após ano, mesmo que este venha de suprimir ainda mais a carteira do seu público-alvo ou ferir a integridade em coisas tão importante quanto manter a mesma janela de lançamentos e estética entre suas plataformas físicas e digitais.

    Talvez, tenha sido o público que mudou. Ainda estamos falando de jogadores e colecionadores — vale lembrar que a lista reservada foi criada para dar “segurança de investimento” para este público —, mas o eixo do pêndulo está agora muito mais voltado para a segunda parcela ao invés da primeira.

    Magic pode estar, aos poucos, afastando-se do conceito de jogo para entrar cada vez mais no conceito de colecionável, como se fosse um NFT de papelão para os que podem se dar ao luxo de pagar pelos Secret Lairs, ou comprar centenas de Collector Boosters. De um jeito ou de outro, ele se tornou ainda mais próximo de um hobby de elite e tem se afastado em todas as frentes de ser um jogo convidativo e inclusivo para diversas faixas de idade e demografia regional.

    Não poderia estar mais feliz de ver a união das minhas franquias favoritas se tornar a expansão mais vendida da história, e me daria por satisfeito se este fosse o limite do céu para Magic. Mas ele não será, não para a Hasbro. Os números precisam continuar crescendo, e as ofensivas para alavancar esses números após o efeito de FF nas vendas do card game podem afetar muito mais do que apenas a quantidade de produtos vendidos, mas a maneira de produzir e enxergar Magic agora que ficou ainda mais comprovado que Universes Beyond é o caminho para potencializar vendas, e capitalizar no fator colecionável é o passaporte para criar a futura “expansão mais vendida do ano”.

    Como jogador, minha única esperança é de, um dia, a Hasbro descobrir que números não podem subir para sempre. E que descubram antes que seja tarde demais ao ponto de Magic ser apenas uma sombra do que já foi um dia, incapaz de recuperar a confiança que pode perder em prol de agradar aos investidores. Tal qual nem todo jogo precisa ser um GTA VI, nem toda expansão de Magic precisa ser um Final Fantasy.

    Ad